Constituição
09/07/1932 — São Paulo e Campinas sofrendo bombardeios aéreos; o Porto de Santos bloqueado por navios de guerra; cidades dos vales do Paraíba e do Ribeira sofrendo ataques de artilharia; e trincheiras repletas de soldados cavadas nas divisas do estado. Tudo isso, hoje algo impensável, aconteceu faz noventa e dois anos. A Revolução de 1932 não é um mero registro histórico. Foi algo que afetou milhões de pessoas e ainda assombra imaginações e o imaginário. Na capital, os monumentos e os nomes de ruas e avenidas deixam isso claro. Na região próxima ao Parque do Ibirapuera ficam tanto o Monumento às Bandeiras do escultor Victor Brecheret como o Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32 do Galileo Ugo Emendabili.
E aos locais se chega pela Avenida 23 de Maio, uma das datas importantes do movimento. Ironicamente, a Fundação Getúlio Vargas fica próxima à avenida batizada com a data do início do levante, a Nove de Julho. Mas São Paulo continua sendo resistente a usar o nome do ditador. Não há o equivalente à importante Avenida Presidente Vargas do Rio de Janeiro por exemplo. Vargas foi quem provocou a coisa com a derrubada do presidente Washington Luís em outubro de 1930. Ele até foi bem recebido no estado a caminho da capital, então o Rio de Janeiro. Mas logo começou a bater de frente com os políticos paulistas, saudosos do poder que tinham na República Velha. Por exemplo, Vargas nomeou como “interventor” um pernambucano.
Só em março de 1932 Vargas nomeou um interventor mais ao gosto dos paulistas, um civil e nativo do estado, o diplomata aposentado Pedro de Toledo. Mas ao mesmo tempo o ditador quis mandar no comando da Força Pública (como era chamada a hoje Polícia Militar). A Força Pública era um trunfo particularmente importante, pois constituía um verdadeiro exército em menor escala dotado de armas como metralhadoras. Os políticos e os militares envolvidos na conspiração contra Vargas foram ineptos. Deflagraram o movimento antes da hora, sem articular ações eficazes com potenciais revoltosos em outros estados, especialmente Minas Gerais e Rio Grande do Sul. São Paulo, com pequeno apoio de Mato Grosso, ficou isolado. A melhor estratégia rumar para o centro do poder, o Rio de Janeiro.
Em vez de fazer isso, os líderes paulistas preferiram ficar na defesa. Já a estratégia do ditador foi correta. Isolou São Paulo por terra e por mar e diplomaticamente. As principais frentes de combate estavam todas vinculadas a ferrovias e rodovias. É por isso que os famosos trens blindados foram tão importantes no conflito. Os dois lados tiveram centenas de mortos. Não houve batalhas espetaculares. Era mais razoável fugir ou se render do que lutar até a morte em uma guerra “entre irmãos”. Uma batalha podia ter dez mortos, trinta feridos e 400 prisioneiros. Vargas venceu em 32, mas houve a Constituinte em 1934. Os líderes paulistas foram exilados, mas por pouco tempo. Vargas deu um golpe de estado em 1937, mas o legado de 32 permaneceu e foi importante no debate ideológico subsequente.
Em 92 anos, muita tinta foi usada para descrever a Revolução de 1932. É possível identificar pelo menos três fases. Houve uma primeira onda de textos, principalmente de origem paulista (e incluindo livros de memórias) exaltando os ideais democráticos do levante. Em seguida, uma leva posterior, de origem marxista, ressaltando a ideia de que tudo não passou de uma briga entre grupos da “classe dominante”. Novos pesquisadores tentam entender o caráter multifacetado do evento ao indenficarem uma participação popular inédita na história. O historiador Marco Antonio Villa deixa claro que a “questão democrática” foi “a grande herança política da revolução, uma espécie de tesouro perdido, muito valioso, especialmente em um país marcado por uma tradição conservadora, elitista e antidemocrática”.