ensino-medio1Ensino Médio

22/09/2016 — O governo federal lançou uma medida provisória em Brasília com uma notícia que teve o efeito de um tsunami sobre pais, estudantes, professores e círculos especializados: o velho ensino médio será posto do avesso. Instantaneamente, o assunto suplantou qualquer outro nas redes sociais e gerou dúvidas e mais dúvidas. A mais básica é se a proposta do governo deve ou não ser celebrada. Se as promessas que a MP embute se concretizarem, sim, haverá extraordinários avanços a partir de 2018. Mas preste-se bastante atenção no “se”. Independentemente do matiz ideológico, direita ou esquerda, não importa de que lado se esteja, há uma constatação unânime: o ensino médio brasileiro, público e particular, é engessado, ineficiente e desconectado do século XXI. É profundamente ineficaz.

mec ensino-medio_q1Uma soma de erros explica o fiasco que enrubesce o Brasil a cada ranking. Um dos mais gritantes é a inflexibilidade do modelo em vigor, um ponto central que o governo ataca. Quem abriga um adolescente em casa com gosto pelas artes acompanha o martírio de vê-lo desbravar a fundo os labirintos da química orgânica. Outro, com vocação para as ciências pena com as minúcias da geografia. Não é que não possam expandir seu leque de interesses. Isso é inclusive desejável. O problema é o extremo que o atual modelo impõe: a obrigatoriedade de aprender quase tudo sobre quase tudo, à revelia de interesses, aptidões e projetos pessoais. É esse abacaxi que o novo pacote pretende descascar ao pôr de pé um sistema que deu certo em países como a Austrália e a Inglaterra.

O aluno continuará a percorrer uma grade fixa de disciplinas, igual para todo mundo, mas ela agora ocupará a metade do tempo na escola. A outra metade será preenchida pelo estudante segundo suas predileções. A esta altura, muita gente pode estar se indagando se o novo desenho não levará à repetição da antiga divisão entre cientifico e clássico, do tempo dos nossos pais e avós. Não. A nova fórmula rompe com a ideia de separações estanques e permite traçar roteiros tão diversos na escola que dá até para cursar matérias por semestre, corno acontece na universidade. Como uma única escola abrirá a um mundaréu de alunos caminhos tão distintos? No caso das redes públicas, caberá às secretarias estaduais definir quais opções cada colégio oferecerá a depender dos pendores locais.

mec ensino-medio_2Os motivos do grande alvoroço foram as dúvidas em relação ao que sairá do currículo obrigatório, que atualmente contém treze disciplinas. Nessa especulação, por exemplo, sociologia e filosofia seriam as primeiras a desaparecer. Artes e educação física, idem. Elas poderão acabar sendo limi5tadas, mas ninguém bateu o martelo sobre uma coisa ou outra. O que está decidido é que matemática, português e inglês ficarão no currículo obrigatório. Nos bastidores, diz-se que o número de matérias cairá para a metade, porém ninguém verbalizou essa alteração. O assunto mexe no vespeiro corporativista, já que subtrair disciplinas pode levar ao fim de empregos. Além disso, há um longo rito no caminho da aprovação do currículo obrigatório, chamado de Base Nacional Curricular, que deve ocorrer, no caso do ensino médio, no primeiro semestre de 2017.

Outra mudança que soa menos relevante, mas é vital, diz respeito ao ensino técnico. Uma das trilhas possíveis no período em que o aluno escolhe o que fazer dentro da escola será justamente essa via mais voltada para o mercado de trabalho. Ai reside uma transformação radical: o estudante que se interessa por esse caminho hoje precisa seguir o mesmo roteiro escolar de quem ambiciona a universidade. Um pedágio que desestimula a imensa maioria, tanto que menos de 10% dos jovens brasileiros optam pelo técnico, ante 51% dos alemães, referência na área. Segundo os especialistas, é preciso não perder de vista que o ensino médio brasileiro patina sobre deficiências muito básicas. A reforma não vai resolver sozinha gargalos essenciais. A jornada escolar de quatro horas e meia — e olhe lá — é um freio de mão que a MP prevê atenuar, esticando o turno para sete horas, como nos países mais desenvolvidos.

Texto baseado na reportagem da jornalista Maria Clara Viera, publicada na revista Veja.


 

 



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